quarta-feira, 28 de agosto de 2019

O ARROGANTE SOU EU?



Se eu entrasse por um laboratório, se começasse a discutir teoria da relatividade ou física quântica com os cientistas, se me mandassem à merda mais às minhas ideias… os arrogantes seriam eles, ou seria eu que nem para aprender serviria?

Os estudiosos de humanidades ou ciências sociais somos várias vezes acusados de arrogantes sempre que saímos do meio académico e nos lançamos a públicos debates. Ainda hoje um bom amigo me atirou à cara, em acalorada discussão numa rede social sobre o Brasil desta era bolsonárica.

É verdade e conhecemos vários casos. Uma inteligência brilhante como era a de Vasco Graça Moura tocava as raias do indecoroso quando tinha de baixar à rua, o reputado académico Augusto Santos Silva chega ao limite do insuportável nos debates públicos, de Boaventura Sousa Santos, um dos sociólogos mais reconhecidos internacionalmente, tão-pouco se pode dizer que seja um querido, todos nos lembramos com saudade da irascibilidade de um dos maiores escritores de sempre que foi (é) José Saramago… os exemplos poder-se-iam suceder.

Quando o meu amigo me acusou de “arrogância livresca” deixou-me a pensar no assunto. Reconheço-a, no sentido positivo de “livresco” e no negativo de “arrogante”, quando saio do meio intelectual donde venho, exceto tendo uma audiência não especialista mas praticamente passiva.

O penúltimo parágrafo surgiu daí, deu-me o conforto da boa companhia e fez-me reflectir sobre o assunto. Entro de frente num debate sobre História, sobretudo História da culturaa incluindo a literatura e a Filosofia, na Antropologia também não recuo e estudo falando como aprendiz de neurociência, principalmente no impacto dos seus avanços nestas referidas áreas. Direito também aceitaria debater com um advogado mas apenas ao nível dos princípios, jamais da técnica, da legislação ou do processo… e fico-me por aí.

Então dei comigo a pensar: “Discutirias Física com um físico? Química com um químico? Matemática com um matemático?” Não e posso supor os seus desesperos se a tal me atrevesse. Nem eu o faço nem ninguém que os não seja costuma fazê-lo, e então, físicos, químicos ou matemáticos têm a felicidade de que nenhum não-físico, não-químico, não-matemático se ponha a debater e a pôr em causa as suas conclusões.

Tenho inveja e é uma sorte que nós, os das Humanidades, os das Ciências Sociais, não temos: Não há quem não se sinta historiador, filósofo antropólogo, sociólogo ou psicólogo e não venha discutir História, Filosofia, Antropologia Sociologia ou Psicologia connosco, geralmente sem saber que o está a fazer.

O melhor seria resistir e não sair a terreiro. Mas não estaríamos numa recusa da divulgação científica? Não seria arrogância maior?

Se eu entrasse por um laboratório, se começasse a discutir teoria da relatividade ou física quântica com os cientistas, se me mandassem à merda mais às minhas ideias… os arrogantes seriam eles, ou seria eu que nem para aprender serviria?


Luís Novais

Nota: Dedicado ao meu querido amigo Joaquim Barbosa
PS: Solidário com os médicos desde que surgiu o Dr. Google.

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