terça-feira, 22 de novembro de 2016

O JORNALISMO EM TEMPO DE OPORTUNIDADES. Zuckerberg na caverna de Platão


O dono do Facebook sabe que somos descendentes de Platão e que, pela primeira vez, enfrenta uma ameaça séria ao crescimento da sua empresa. Este ponto fraco é também a primeira grande oportunidade que surge aos jornalistas depois de 20 anos de crise profissional.

A campanha eleitoral nos estados Unidos desencadeou um debate sobre a verdade. Um estudo da BuzzFeed concluiu que os posts com informações falsas no Facebook foram muito mais compartidos que os verdadeiros, e as reações não se fizeram esperar.

Se nunca foi tão fácil aceder à informação, também a mentira nunca se disseminou tão massivamente. Não é por acaso que o Oxford Diccionary considerou “post-truth” a palavra do ano, significando uma situação na que os “factos objetivos são menos influentes (…) do que o apelo à emoção e à crença pessoal”.

Qualquer sociólogo sabe que o tema não é recente e que, depois da multiperspetiva modernista, que Picasso tão bem representa, se seguiu a intranquilidade pós-moderna que já se adivinhava desde o final de primeira guerra, mas que se acentuou com o boom da imprensa sensacionalista e com a progressiva desconfiança na ciência.

As redes sociais adicionaram tragédia a este problema. A cultura ocidental descende do pensamento platónico e assenta no reconhecimento duma transcendência que conduz à verdade. Se Platão disse que vivemos numa caverna que só nos permite ver o aparente mundo das sombras, a realidade existiria no da luz e a nossa angústia é atingi-lo.

A metodologia jornalística tem a verdade como primeira premissa. Reconhecendo a sua subjetividade, o jornalista tem em primeiro lugar de ser honesto, não permitindo que esta o leve a ultrapassar uma linha divisória. É por isso que um estudante do primeiro ano de Comunicação Social já sabe fazer crítica de fontes e aprende que deve sempre ouvir várias versões da mesma questão.

Lembro-me que na década de 90 nos surpreendíamos com um dos feitos da internet: Pela primeira vez em 50 anos surgia um meio que estava a retirar audiência à televisão. A rede era cada vez mais a fonte de informação preferencial; uma fonte de fácil acesso, tanto para o recetor como para emissores ávidos por saltar a barreira do jornalista. Lembro-me de Cavaco Silva, então presidente, me dizer que via na internet uma ansiada forma de evitar os jornalistas e de se comunicar diretamente com os cidadãos.

O outro lado da moeda tinha de chegar e está a chegar. Milhares de mensagens falsas lançadas sem o crivo do método jornalístico (não digo sério porque se não o é também não é jornalístico) inundam diariamente as redes sociais e já se está a gerar uma onda de reações negativas.

Depois de anos defendendo que o Facebook é apenas um meio difusor e não um criador de informação, Mark Zuckerberg teve de vir a público defender a veracidade do que é publicado na sua rede: 99% do que aí está seria verdadeiro… não se sabendo com que dados o afirma, ou sequer se esta frase pertence ao 1%.

O dono do Facebook sabe que somos descendentes de Platão e que, pela primeira vez, enfrenta uma ameaça séria ao crescimento da sua empresa. Este ponto fraco é também a primeira grande oportunidade que surge aos jornalistas depois de 20 anos de crise profissional. O público sempre procura e prefere a honestidade e essa é a base do nosso trabalho: Entregar-lhe uma informação que passou por um profissional da crítica e da análise de fontes.

Na qualidade de presidente da Associação de Imprensa Estrangeira no Peru, o ano passado fui convidado para dar uma conferência numa universidade deste país. Nessa altura centrei-me neste mesmo tema do jornalista ser o grande separador entre o trigo e o joio e concluí que, quanto mais informação houver na rede, mais necessário será o seu papel de certificador.

Este é o desafio que enfrentamos e, se conseguirmos aproveitar o momento, num futuro próximo não seremos obrigados a ouvir conferencistas dizerem que a maior empresa de media do mundo não emprega um só jornalista.


Luis Novais
luis@novais.eu

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