O
dono do Facebook sabe que somos descendentes de Platão e que, pela primeira
vez, enfrenta uma ameaça séria ao crescimento da sua empresa. Este ponto fraco
é também a primeira grande oportunidade que surge aos jornalistas depois de 20
anos de crise profissional.
A campanha eleitoral nos estados Unidos
desencadeou um debate sobre a verdade. Um estudo
da BuzzFeed concluiu que os posts
com informações falsas no Facebook foram muito mais compartidos que os
verdadeiros, e as reações não se fizeram esperar.
Se nunca foi tão fácil aceder à
informação, também a mentira nunca se disseminou tão massivamente. Não é por
acaso que o Oxford Diccionary considerou “post-truth”
a palavra do ano, significando uma situação na que os “factos objetivos são
menos influentes (…) do que o apelo à emoção e à crença pessoal”.
Qualquer sociólogo sabe que o tema não é
recente e que, depois da multiperspetiva modernista, que Picasso tão bem
representa, se seguiu a intranquilidade pós-moderna que já se adivinhava desde
o final de primeira guerra, mas que se acentuou com o boom da imprensa sensacionalista e com a progressiva desconfiança
na ciência.
As redes sociais adicionaram tragédia a
este problema. A cultura ocidental descende do pensamento platónico e assenta no
reconhecimento duma transcendência que conduz à verdade. Se Platão disse que
vivemos numa caverna que só nos permite ver o aparente mundo das sombras, a realidade
existiria no da luz e a nossa angústia é atingi-lo.
A metodologia jornalística tem a verdade
como primeira premissa. Reconhecendo a sua subjetividade, o jornalista tem em
primeiro lugar de ser honesto, não permitindo que esta o leve a ultrapassar uma
linha divisória. É por isso que um estudante do primeiro ano de Comunicação
Social já sabe fazer crítica de fontes e aprende que deve sempre ouvir várias
versões da mesma questão.
Lembro-me que na década de 90 nos surpreendíamos
com um dos feitos da internet: Pela primeira vez em 50 anos surgia um meio que
estava a retirar audiência à televisão. A rede era cada vez mais a fonte de
informação preferencial; uma fonte de fácil acesso, tanto para o recetor como
para emissores ávidos por saltar a barreira do jornalista. Lembro-me de Cavaco
Silva, então presidente, me dizer que via na internet uma ansiada forma de
evitar os jornalistas e de se comunicar diretamente com os cidadãos.
O outro lado da moeda tinha de chegar e
está a chegar. Milhares de mensagens falsas lançadas sem o crivo do método
jornalístico (não digo sério porque se não o é também não é jornalístico)
inundam diariamente as redes sociais e já se está a gerar uma onda de reações
negativas.
Depois de anos defendendo que o Facebook
é apenas um meio difusor e não um criador de informação, Mark Zuckerberg
teve de vir a público defender a veracidade do que é publicado na sua rede:
99% do que aí está seria verdadeiro… não se sabendo com que dados o afirma, ou
sequer se esta frase pertence ao 1%.
O dono do Facebook sabe que somos
descendentes de Platão e que, pela primeira vez, enfrenta uma ameaça séria ao crescimento
da sua empresa. Este ponto fraco é também a primeira grande oportunidade que
surge aos jornalistas depois de 20 anos de crise profissional. O público sempre
procura e prefere a honestidade e essa é a base do nosso trabalho: Entregar-lhe
uma informação que passou por um profissional da crítica e da análise de
fontes.
Na qualidade de presidente da Associação
de Imprensa Estrangeira no Peru, o ano passado fui convidado para dar uma
conferência numa universidade deste país. Nessa altura centrei-me neste mesmo
tema do jornalista ser o grande separador entre o trigo e o joio e concluí que, quanto
mais informação houver na rede, mais necessário será o seu papel de certificador.
Este é o desafio que enfrentamos e, se
conseguirmos aproveitar o momento, num futuro próximo não seremos obrigados a
ouvir conferencistas dizerem que a maior empresa de media do mundo não emprega
um só jornalista.
Luis Novais
luis@novais.eu
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