Globalização, concentração de
riqueza, exclusão, incapacidade política da direita moderada e da esquerda
rotativa, geraram uma panela de pressão social que abriu caminho fácil à
demagogia, a um discurso que é vazio de conteúdo mas contestatário e anti
sistémico; um antídoto autodestrutivo mas cheio de apelo para os invisíveis,
para os que nada têm a perder.
A vitória de Donald Trump, mais do que a derrota de Hillary Clinton,
doeu-nos na alma aos que acreditamos numa sociedade aberta e inclusiva. Por
detrás deste resultado está uma série de ironias. A primeira foi ter-lhe sido oferecido pelos excluídos do sistema, a segunda foi terem escolhido um dos que beneficiou com aquilo que não querem.
Mais do que chorar o resultado, temos de olhar para ele, tirar lições e
aprender. Não é possível manter uma sociedade onde a opulência vive ao lado da
exclusão. O paradigma do empreendedor, do competitivo, do vencedor, não nos pode
desviar a atenção para o facto de que, neste modelo, por cada um que vence há
vários exclusos.
O edifício económico em que este modelo de globalização assenta criou
um insustentável desequilíbrio social. Os números são mais do que badalados,
mas nunca é extemporâneo dizer que o mundo é hoje muito mais desigual do que
foi há umas décadas. Segundo o Mackinsey Global Institute, hoje em dia mais de
80% dos lucros mundiais são gerados por apenas 10% das empresas (ver),
o que vem destruir outro mito urbano da globalização, essa espécie de pateta
útil do sistema, o sucedâneo criado nos nossos dias para o cow boy solitário e romântico que é a figura do “empreendedor”.
Outra consequência desta concentração é o maior custo que os consumidores têm
de pagar e a menor repartição dos benefícios com o trabalho: Segundo o mesmo
estudo, em 1980 os lucros empresariais equivaliam a 7,6% do PIB mundial, em
2013 foram 9,8% e a tendência continua crescente. Não admiram por isso as
conclusões que saíram dum relatório do Credit Suisse: 62 pessoas têm tanta
riqueza como metade da população mundial e o 1% mais rico possui o mesmo que os
restantes 99% (ver).
Alguns argumentam que isto se deve a uma maior distribuição da riqueza a nível
mundial e que são os cidadãos do chamado hemisfério norte que não suportam esta
partilha. Nada mais errado, o modelo levado a cabo pelos países em
desenvolvimento é socialmente agressivo e, portanto, a divisão hoje em dia já não
pode ser entre hemisférios, mas entre acumuladores dum lado, e excluídos, do
outro.
Em 1991 o governo indiano introduziu a NEP (New Economic Politic), que significou liberalização, privatização e
globalização. A economia cresceu, mas o resultado foi que os ricos ficaram
ainda mais ricos e os pobres ainda mais pobres (ver).
Outro exemplo é o da China, com empresas públicas e privadas que investem em
todo o mundo, mas cujo número redondo de já ser a maior economia, esconde uma
grande desproporção na distribuição da riqueza: o PIB per capita é de apenas 14.239 dólares, pouco mais do que um México (12.277) ou
que um Peru (12.402) (Banco Mundial).
A esquerda de regime, que poderia ser um contraponto rotativo à ganância
liberal, não conseguiu alterar esta situação. Na Europa aderiu facilmente à
moda liberal disfarçada de “terceira via”, ao vazio ideológico socrático, ou
então caiu numa corrupção que a tornou alvo fácil da direita mais misantropa,
como aconteceu no Brasil. Por outro lado, a direita moderada foi facilmente
dominada pelo canto de sereia do capital, com prebendas, lugares em conselhos
de administração, consultorias e facilidades que a afastaram dos excluídos.
Globalização,
concentração de riqueza, exclusão, incapacidade política da direita moderada e
da esquerda rotativa, geraram uma panela de pressão social que abriu caminho fácil
à demagogia, a um discurso que é vazio de conteúdo mas contestatário e anti
sistémico; um antídoto autodestrutivo mas cheio de apelo para os invisíveis,
para os que nada têm a perder.
Não sei, mas espero que ainda vamos a tempo de estancar a mancha. Hoje é um
dia para chorar, amanhã para começar a trabalhar.
PS: Enquanto terminava este artigo, ouvia o único discurso bem feito que alguma vez ouvi a Donald Trump, o da vitória. A esperança é a última a morrer...
Luís Novais
Foto: Johnhain
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