Conhecia-a em 1984, foi minha
professora de História e Filosofia da Educação. Para alguém como eu, acabado de
entrar no ensino superior, ainda com algumas ilusões sobre o sistema e já
atacado pelas primeiras desilusões, a Laura foi uma luz que me fez manter
alguma fé na Universidade, essa mesma que acabou por lhe ser ingrata. Nas suas aulas ensinava-se e discutia-se Filosofia
com uma abertura de espírito e um arrebatamento contagiante. Julgo que até cheguei a sentir aquela clássica paixão platónica do estudante pela professora
carismática.
Muitos anos depois, graças ao
correio eletrónico e às redes sociais, iniciamos uma correspondência frequente.
Estava atacada por múltiplas complicações oncológicas. Sabia que talvez não
tivesse muito mais tempo de vida, mas aferrava-se-lhe.
A Laura era uma idealista, quem
não perceba isto não entende o significado pessoal da sua luta pelo direito de
cada um a decidir. Os jornais, a opinião pública, falam duma defensora
da eutanásia, sem entenderem que não era algo que necessariamente equacionasse
para si; a sua luta era por um direito, universal e em abstrato.
Numa das “cartas” que este ano me escreveu, dizia o seguinte: “Parece-me que estás fundamentalmente bem,
apesar das dúvidas metafísicas que possas ter. A saúde é de facto um bem muito
precioso”. Leio este comentário sobre mim, como um resumo do seu próprio
momento: A fria constatação do poder da matéria, o brutal impacto que um corpo
doente pode ter na formulação da Ideia, essa Ideia que a Laura sempre procurou.
É neste contexto que vejo sua última luta (e que está longe de lhe resumir a vida). Foi como se
destilasse o sofrimento que sentia numa ideia sem a qual alguém como ela não
teria instrumento de sobrevivência. Num aparente paradoxo, lutou pelo direito à
morte para se manter viva. E a Laura queria viver, disso não tenho dúvida.
Um dia disse-lhe isso: “A vida é
um direito e não uma obrigação. Mas os que cá estamos e te admiramos gostamos
muito que te mantenhas entre nós. De qualquer forma, a jovem e idealista
professora ficará sempre na minha memória”. Respondeu-me inequivocamente: "Apesar de tudo há esta pulsão quase cega para viver e resistir à morte".
Menos de 24 horas antes de morrer
colocou o seu último texto no Facebook: Sofria, não de sofrimento próprio mas
do sofrimento de Aleppo; são assim os seres humanos quando grandes!
O dor ficou para os que a
perdemos. Felizmente que a memória também.
Luís Novais
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