segunda-feira, 10 de setembro de 2012

ATLÂNTIDA, UM RUMO PARA PORTUGAL



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Quebre-se o tabu e discuta-se a União Europeia. Olhemos para a nossa História. Somos o país mais antigo da Europa e nunca, mas nunca, quisemos estar aí. Nunca, mas nunca, estivemos voltados para o continente.

 
O desespero dos portugueses é, hoje, óbvio e justificado. Nas redes sociais abundam as sugestões para debelar a crise, muitas delas assentes em exigência de diminuição do número de deputados, cargos públicos e quejandos. Estas sugestões podem até ser justas e aliviam, mas não resolvem a nossa situação. A olhómetro, sem fazer contas, é fácil tirar uma conclusão: com estas medidas quase nada mudaria no nosso deficit crónico. Não discuto a justiça, discuto a eficácia.

O que trouxe Portugal até aqui não foi o facto de ter algo mais do que duas centenas de deputados e não sei quantos ministros. Tão pouco foi o facto desses ministros terem motorista e carro oficial. O que nos trouxe aqui foram as políticas, foram os modelos adotados.
Claro que os políticos têm muita responsabilidade. Mas os cidadãos, todos nós, também. Se é certo que muitas vezes fomos enganados, também é certo que outras tantas preferimos deixar-nos enganar, por uma cómoda anestesia em que o presente contava sempre mais do que o futuro.

Finalmente, o futuro chegou.  Sentimos o desespero e com o desespero  já sabemos o que não queremos. Todavia, o único lugar onde é bonito saber para onde se não vai sem que se saiba para onde ir, é nessa magnifico poema de José Régio. A vida é, infelizmente e por norma, diferente da poesia. Na vida temos de saber o que querer de cada vez que sabemos o que não querer.

A energia da revolta precisa de ser canalizada para o debate sobre as alternativas, sob pena de que, como nos querem fazer crer, não haja mesmo alternativa à política atual. Uma política que não está a tentar salvar o futuro, como nos dizem, mas o passado: os modelos sociais do passado, os privilégios do passado, a geoestratégia do passado, a economia do passado.
Os que não queremos o que está, temos de ser capazes de apontar caminhos.

Nestes textos, buscarei dar o meu contributo de cidadão, por vezes coligindo algumas coisas que fui escrevendo noutras ocasiões.

Uma Nova Geoestratégia para Portugal.

A Europa tornou-se um tabu. Durante três décadas, questionar a via europeia quase redundava em excomunhão política. Contudo, ao mesmo tempo que nos estendia parca esmola, essa Europa exigia-nos a destruição de todo o nosso setor produtivo. Foi uma espécie de velho ditado, mas ao contrário: se queres ajudar, dá-lhe dinheiro para que desaprenda de pescar.
Isso foi o que nos fizeram: levaram-nos a quebrar a nossa cana de pesca e nós quebramo-la alegremente porque alguns ganhavam euros fáceis com ações de formação e consultorias e outros ganhavam umas migalhas, igualmente fáceis, frequentando essas mesmas ações. Sem falar nos que fizeram obscuras fortunas, claro, que esses são ou deveriam ser casos de polícia. Prometiam-nos que, no fim, o país estaria mais qualificado e poderiam os portugueses entrar numa nova era económica. Vê-se o resultado.

Quebre-se o tabu e discuta-se a União Europeia. Olhemos para a nossa História. Somos o país mais antigo da Europa e nunca, mas nunca, quisemos estar aí. Nunca, mas nunca, estivemos voltados para o continente. A Europa sempre foi, para nós, um espaço de intensa e necessária diplomacia e não um espaço de integração política. Com exceção do Reino Unido, mais nenhum país europeu pode afirmar o mesmo. Duma forma ou doutra, todos tiveram o continente como epicentro político. Nós não. Terminada a reconquista, todo o Portugal lhe virou costas e se voltou ao Atlântico. As poucas aproximações continentalistas, sempre redundaram em tragédia, como aconteceu quando os Filipes nos imiscuíram nas suas lutas europeias e nos afundaram numa armada que diziam invencível.
Somos atlânticos, não somos europeus e sempre que o quisemos ser, a farsa que nos relata Eça terminou em tragédia, como se comprova historicamente.

Veja-se para aonde emigram hoje os nossos recursos humanos mais qualificados: para Angola e Brasil. Veja-se para aonde se voltam as nossas empresas, para África e América Latina. Veja-se onde sentimos a nossa continuidade cultural, a nossa identidade linguística… sempre e sempre no sentido oeste que “de leste nem bom vento nem bom casamento”, interessante expressão e grande metáfora que não por acaso nos trouxe o passado.
Em vez de estarmos metidos num barco onde não nos sentimos confortáveis, seria tempo de estreitarmos laços com o Atlântico de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné e São Tomé.

A geoestratégia do futuro (do presente) passa grandemente pela ligação Índico-Atlântico e Atlântico-Pacífico. O Brasil sabe isso perfeitamente, razão por que está a investir imenso na integração rodo-portuária com os dois países da América do Sul que podem ligar o seu interior ao Pacífico: o Peru e o Chile.
Se formos capazes de participar na construção duma União Atlântica (gosto de chamar-lhe Atlântida) estaremos a fazer algo de grande, onde poderemos partilhar grandeza. Todos estes países formam uma territorialidade marítima (não esquecer os Açores e a Madeira) que, a unir-se, criaria o fenómeno político do Sec XXI e, unidos pela mesma língua, teriamos uma economia e uma cultura pujantes.

Qual é a contrapartida? Que continuemos a arrastar-nos por uma Europa que se odeia a si mesma e que nos despreza.

Mas, é claro, para isso seria necessário que deixássemos de ter obedientes contabilistas no poder e passemos a ter estadistas determinados.

Um desabafo final
Enfim, sentindo-me revoltado, como quase todos os portugueses, não posso deixar de procurar o que quero mais além do que não quero. Esta é a minha partilha. Outro tanto teria a dizer sobre o modelo económico e social, mas isso deixo para outra ocasião. Por hoje, para sonho e para me dar alguma alegria, basta-me pensar nesta Atlântida.


Luís Novais
* À foto, tirei-a nesse paraíso atlântico chamado Arquipélago de Bijagós, Guiné-Bissau

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