Já não tinha dúvidas mas, se as tivesse, tê-las-ia perdido sobre a periclitante situação europeia e, desculpem se agora penso mais em nós do que nos outros, o que me preocupa é a impreparação dos nossos políticos e esta apatia cidadã. Claramente, estamos a seguir um caminho de forma monolítica, sem pensar que, de repente, tudo se nos pode escapar debaixo dos pés.
Enquanto um quase presidente e uma ainda chanceler se
desentendem em público, convém lembrar que a União Europeia e a Nato são os
dois esteios em que assentam as nossas políticas económicas e de defesa. Se a Alemanha
é a maior potência da Europa, os Estados Unidos são o suporte da aliança
militar. Sem os alemães acaba a União Europeia, sem os americanos acaba a Nato
e sem cooperação entre os dois lados do Atlântico acabam ambas, iniciando-se
uma nova era, que ainda ninguém entendeu muito bem como será.
É certo que nunca sabemos quando é que Trump planifica ou não
o seu discurso, mas não pode ser por acaso que tenha escolhido uma entrevista a
dois jornais europeus, The Times e Bild, para lançar algumas frases que,
proferidas por uma mente com critério, seriam bombas: “Acho que o Brexit foi
uma grande coisa”, “Outros países vão deixar a União Europeia”, “(A União
Europeia) é basicamente um instrumento para a Alemanha”.
Surpreende a reação, ou antes, a não reação deste lado do
Atlântico. Além duma dureza moderada da chanceler, não ouvi qualquer outro líder
rechaçar tamanhas declarações, exceto a insignificante alta representante da UE
para as relações externas, Frederica Mogherini, mesmo assim de uma forma tíbia
e quase duvidando daquilo afirmava. Não, não criticou Trump por se meter na
vida europeia, disse apenas que “respeito a opinião do quase presidente dos
Estados Unidos”. Não, não fez uma declaração forte e segura sobre a solidez do
edifício europeu, limitou-se a completar aquela frase com um “…mas penso que a
União Europeia ficará OK no futuro”. Isto depois de ter dito “Eu penso que a
União Europeia continuará junta”… ouvi bem?
Disse “Eu penso que…”? E isto para já não referir a forma como falou, cheia
de interjeições e apresentando-se com a postura de quem não está mesmo nada
convicta daquilo que afirma.
A única conclusão é que a Europa já não tem líderes capazes
de por ela lutarem e de por ela darem a cara. A eurocracia deixou esse caderno
de encargos a uma burocrata quase insignificante e, enquanto Trump crava
punhaladas na União, Marcelo Rebelo de Sousa estava contente porque teve
direito a 12 minutos de conversa telefónica. Depois da eleição norte-americana,
suponho que o cabo transatlântico foi sobrecarregado pelas chamadas dos chefes
de estado e de governo europeus, certamente alguns com direito a um bocado mais
dos que os tais 12 minutos.
Já não tinha dúvidas mas, se as tivesse, tê-las-ia perdido sobre
a periclitante situação europeia e, desculpem se agora penso mais em nós do que
nos outros, o que me preocupa é a impreparação dos nossos políticos e esta
apatia cidadã. Claramente, estamos a seguir um caminho de forma monolítica, sem
pensar que, de repente, tudo se nos pode escapar debaixo dos pés.
Que pelo menos a cidadania comece a discutir as vias alternativas,
que se comecem a traçar novos caminhos, a vislumbrar outros espaços naturais em
que nos possamos integrar.
Eu, que sempre me senti atlântido, acredito que temos opções.
Independentemente da via, é urgente sair desta fase de negação. Há uma grande
probabilidade de que o espaço geoestratégico em que nos movemos durante estes
30 anos deixe de existir. Nessa situação, se não queremos que também o nosso país
caia nas mãos de demagogos ou, até, de ditadores de pacotilha, temos de definir,
e claramente, para onde e como vamos?
Luís Novais
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