terça-feira, 9 de outubro de 2018

HADDAD OU BOLSONARO?




Dos bons princípios podem surgir más práticas, nunca tanto como aquelas que surgem dos que são maus; um péssimo ponto de partida leva sempre a pior ponto de chegada.

Como é próprio de todos os radicais, Bolsonaro extremou as posições e dificultou imenso as análises objectivas. A campanha no Brasil ficou reduzida a uma gritaria nas redes sociais e os campos estão bem delimitados: Dum lado os defensores do candidato protofascista, homofóbico, misógino e defensor da privatização do exercício legítimo da violência, o que é um dos maiores recuos de sempre nos conceitos de Estado de Direito Democrático. Do outro lado o candidato que, para o bem e para o mal, é herdeiro da passagem do PT e de Lula pelo poder.

Há uma corrente forte que defende o voto num ou no outro, não a favor de nenhum deles, mas contra cada um. No que me toca, não tenho qualquer dúvida: Votaria no candidato Haddad, por várias razões que superam a minha clara recusa de Bolsonaro.

Em primeiro lugar, o PT é um partido com bons valores, que têm origem no humanismo greco-cristão renovado no iluminismo, os mesmos que levaram ao aparecimento das doutrinas sociais, incluindo a da igreja e a social-democracia.

Pertenço ao grupo para o qual a criminalidade violenta se supera com igualdade de oportunidades e acredito que estas não surgem sem programas sociais, educativos e de discriminação positiva. Nesse domínio, Lula comportou-se como um social-democrata europeu, bastando ver como diminuiu o número de pobres, que nos seus governos passaram de 24% para 13% da população e, com Dilma Roussef, de 13% a 7,4% em 2014. Isto segundo o conceito internacional, porque segundo o nacional a descida foi ainda mais drástica (Fonte). Um resultado meritório, que também marca pontos para outro grande presidente,  Fernando Henrique Cardoso.

Um número tão elevado de pobres como aquele que Lula encontrou é insustentável e, necessariamente, gerador de criminalidade e violência. Se não é mais possível ter a Casa Grande ao lado da Senzala, porque esta dicotomia mantinha-se com um estrito controlo violento e contrário ao mais elementar dos Direitos Humanos, hoje já não é igualmente possível ter a favela ao lado da riqueza opulenta.

Portanto, o PT tem princípios humanistas e uma perspectiva social do exercício do poder, com que concordo convictamente. Por outro lado, não conseguiu extirpar a corrupção endémica, que é uma constante da história (não só da brasileira) e aí falhou. Falhou mas tomou medidas, tanto que terminou sendo vítima da sua própria legislação, bastando lembrar que, se não fosse uma lei de Lula, Lula seria candidato e, provavelmente, ganharia. Paradoxalmente, nunca ninguém fez tanto contra a corrupção como aqueles que agora são acusados de a praticar, como se antes vivêssemos num paraíso de políticos e empresários impolutos. E afinal, se tudo fosse apenas uma questão de honestidade, ainda teríamos na presidência a mesma Dilma Roussef que nem senadora foi eleita.

Do outro lado está uma opção que quer mudar a sociedade com base na brutalidade, numa tendência que tem origem real nos momentos mais negros da história do século XX: essa ideia de que a violência se combate com uma violência muito maior e, até, com uma privatização do seu exercício, como tão bem souberam fazer Hitler ou Mussolini. A esta visão, juntam-se o racismo e ideias totalitárias contra os direitos de opção e das minorias, cujos ecos também nos vêm desses tempos.

Há que dizê-lo com todas as palavras: Bolsonaro é um puro fascista, palavra tão desvalorizada pelos excessos de adjectivação que a esquerda foi usando numa inconsciente facilidade, que agora até nos custa admitir. Mas não, neste caso estamos perante um caso real, votar Bolsonaro é votar no regresso do fascismo, com todos os horrores que lhe conhecemos.

É por isso que, se fosse brasileiro, não teria dúvidas, votaria Haddad, não só contra Bolsonaro, mas também porque acredito que Haddad é herdeiro de bons valores. Sobretudo, há algo que para mim é um axioma: Dos bons princípios podem surgir más práticas, mas nunca tanto como aquelas que nascem dos que são maus; um péssimo ponto de partida leva sempre a pior ponto de chegada.



Luís Novais

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