segunda-feira, 13 de junho de 2016

APROPÓSITO DO CRIME DE ORLANDO. Combate à violência e regresso à comunidade


As forças centrípetas da globalização estarão, talvez, a intensificar a quebra de laços sociais que já conhecíamos das grandes metrópoles. Os primeiros de entre esses laços destruídos terão sido os mais indefesos: Aqueles que têm origem em comunidades de sentimentos positivos.

O crime de Orlando foi trágico, macabro e teve causas que chocam com as mais profundas convicções daqueles que defendemos uma sociedade aberta e tolerante. Não é isolado e não acontece por acaso.

O Gun Violence Archive é uma ONG criada em 2013 e dedica-se a construir uma base de dados pública sobre a violência com armas de fogo nos Estados Unidos. De acordo com os dados recolhidos, só no que vai deste ano, o país já somou 23.317 incidentes, 5.967 mortos, 12.252 feridos. Entre mortos e feridos, 257 das vítimas foram crianças com menos de 11 anos e 1.276 adolescentes até aos 17. Os assassínios em série foram 136, com um total de 72 mortos e 140 feridos, incluindo os 51 e 49 de Orlando, respetivamente.

Entretanto, em Paris decorre o campeonato europeu de futebol. O que deveria ser uma festa transformou-se numa batalha campal, com enfrentamentos entre adeptos e o país em estado de sítio. Por outro lado, na Europa têm-se sucedido os atentados dum terrorismo quase self-service que responde às mais diversas inquietudes.

Crueldade gratuita, intolerância, ódio. O certo é que a violência cidadã está a aumentar para níveis tão óbvios que dispensam comprovação estatística. Que se passa com o nosso tempo?

Nos últimos anos de vida, Freud dedicou-se a contradizer grande parte daquilo que anteriormente tinha defendido. Tudo começou com a publicação de “Para além do princípio do prazer” (1920), onde já falava num hipotético “instinto de morte” que os seus seguidores imediatos não conseguiram absorver. Em todos os seres vivos, em todas as células, haveria um instinto mortal que combatia o da vida. Serviria para assegurar a sobrevivência e estava orientado ao meio externo, exceto quando as condições se tornavam tão difíceis de ultrapassar que se voltava contra o próprio. Tivesse o pai da psicanálise vivido mais duas décadas e talvez revolucionasse a sua própria teoria. Como isso não era possível, tivemos de esperar por Erich Fromm para que se deslindassem duas tendências do eu face ao meio: Ou era que o mundo é tão difícil e imprevisível que a única via percecionada para sobreviver é a da submissão absoluta, um comportamento que no extremo levava ao masoquismo; ou era que, pelas mesmas razões, há que controlá-lo e moldá-lo a nós, o que na sua radicalidade conduz ao sadismo.

Os sociólogos também pegaram no tema. Durkheim viu na origem do suicido quatro causas, duas das quais relacionadas com a falta de vínculos e conexões sociais.

Quando o indivíduo tem uma total incapacidade de integrar-se no meio externo, talvez se confronte com duas opções. A primeira, uma sensação de isolamento e impotência tão grande, que leva a atos que são simultaneamente de agressão e de suicido. A segunda, conduz à necessidade de encontrar um grupo, uma ideia nuclear, onde possa integrar-se e ter a solidariedade que, de outra forma, sente impossível. Esta integração revoluciona os conceitos de bem e mal e não será por acaso que grande parte dos perpetradores de crimes de intolerância foram eles próprios pessoas com um passado de excessos e de autodestruição, que encontraram no fundamentalismo um sublime que lhes deu uma justificação e lhes reorientou a vida. São os casos de Hasna Ait, que se imolou em Paris, ou de Muhammad Youssef, que em 2015 matou 5 marines em instalações militares norte-americanas no Tennessee.

Qual é a solução? Já Freud a procurou na célebre carta “O Porquê da Guerra” (1933) com que respondeu a outra de Einstein: “Tudo o que favoreça a formação de vínculos emocionais entre os homens deverá operar contra a guerra”. E, mais adiante, defende que aquilo que faça “os homens compartirem interesses importantes, produz esta comunidade de sentimento, estas identificações. E é nelas que a estrutura da sociedade humana em grande parte se baseia”.

As forças centrípetas da globalização estarão, talvez, a intensificar a quebra de laços sociais que já conhecíamos das grandes metrópoles. Os primeiros de entre esses laços destruídos terão sido os mais indefesos: Aqueles que têm origem em comunidades de sentimentos positivos. Abriu-se o caminho a outras, que se entrincheiram na repulsa e que recorrem à violência para sobreviverem.

Num mundo perdido em si mesmo, onde o ódio fortuito desponta, este será o momento para voltarmos a pensar e agir comunitariamente, incentivando laços e solidariedades onde o ser e a subjetividade se possam enquadrar de forma positiva e natural.


Luís Novais

Foto: Saed






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