sexta-feira, 24 de junho de 2016

BREXIT, PORTUGAL E EUROPA EM OITO MITOS


No que me toca, como português que sou, espero que o meu país encontre o seu rumo e o seu espaço. Longe das imposições, longe dos medos, longe daqueles que querem que tudo se mantenha porque estão no grupo dos que ganham com isso.

O resultado do referendo no reino Unido criou uma onda de choque e pavor que é natural. Somos humanos, temos medo do desconhecido e, segundo algumas correntes da psicanálise que subscrevo filosoficamente, temos até medo da responsabilidade inerente à liberdade. Por muito que critiquemos a imposição, no momento crucial em que nos poderíamos libertar, convertemo-nos em defensores da imposição, por medo da necessidade de optar, por horror à alternativa de diluvianos vazios que nos são transmitidos por campanhas de comunicação bem orquestradas.

Desde há anos que tenho uma posição crítica da União Europeia e da nossa permanência, o primeiro artigo que sobre isso escrevi data de 2009. Não vai ser agora, que os pilares foram abalados, que vou mudar uma posição que é filosófica, antropológica e económica.

Aqueles que se horrorizaram com o Brexit usam vários argumentos, que tenho procurado elencar. Este texto é o meu contributo para sossegar os mais agitados e para responder a esses considerandos. Faço-o abordando oito mitos: três sobre a situação do Reino Unido, quatro sobre Portugal e um sobre a institucionalidade da UE

Primeiro mito: “Foram extremistas de ultradireita que votaram pela saída”
Este argumento é bem típico da postura sobranceira que as cabeças da UE têm adotado. Equivale àqueles fantasmas de que os comunistas comem criancinhas ao pequeno-almoço, ou que os apoiantes dos partidos da direita democrática são um bando de fascistas. Trata-se de rótulos fáceis de propagar, mas que não resistem a uma análise minimamente séria.

Foram 52% os britânicos que decidiram que é melhor estarem fora da UE. Pode ter havido uma convergência com bolsas de radicalismo, mas não posso aceitar que um número tão elevado da população britânica seja radical de ultra-direita. Ainda assim, mesmo que fosse, paciência, é a Democracia.

Segundo mito: Os ingleses estão convencidos de que ainda são um império
É curioso que os mesmos que tal afirmam, acham que o povo não tem o direito de decidir e pretenderiam, talvez, impor-lhe uma permanência que ele mesmo não quer. Atitude mais imperialista e colonial não poderia haver.

Terceiro mito: O Reino Unido vai desintegrar-se
Para começar, tenho dúvidas de que isso suceda. Quando passe a paixão inicial, escoceses e irlandeses irão pensar duas vezes antes de se meterem numa União que é cada vez mais frágil. De qualquer forma, se assim decidirem, será a decisão soberana dum povo. Mais uma vez, é a Democracia. Não percebo por que motivo há em Portugal tanta gente preocupada com a coesão do reino de Sua Majestade. Não há que sofrer dores de parto alheias, para dores bastam as nossas.

Entrando agora nos mitos que se referem a Portugal, também há várias posições, que tenho vindo a colecionar e que em seguida tratarei de comentar.

Quarto mito: Se não estivéssemos na UE seriamos um país atrasado.
Este argumento é um valor quase seguro para quem o apresenta: como essa foi a via, não podemos comparar com o contrário. De qualquer forma não acredito que assim seja. Primeiro porque estamos na UE e longe de ser um país sustentável. O mundo está cheio de exemplos de pequenas nações, sem recursos naturais e que são casos de sucesso económico. Para não falar do estafado exemplo da Suiça, temos a Islândia, a Suécia, a Dinamarca, Áustria, Mónaco,  Finlandia, Nova Zelândia, Irlanda…

Portugal é um país com potencialidades culturais, económicas e geográficas que estão por explorar. Fizemo-nos atlânticos e das três vezes que a nossa soberania esteve em causa, foi porque nos voltamos para o continente e não para o mar. Teremos que esquecer a muleta europeia, que tem um custo elevadíssimo, e avançar num caminho, que pode ser duro, mas é nosso.

Quinto mito: É graças à Europa que temos infraestruturas.
Este argumento tem a mesma falácia do anterior: é difícil comparar uma via que se seguiu, com outra que é hipotética. Primeiro, as infraestruturas são resultado do desenvolvimento económico, e isso conduz-nos ao ponto anterior. Segundo, estamos hoje muito infraestruturados, eu diria que excessivamente infraestruturados, e para quê? O excesso de recursos é inimigo da sua boa aplicação e isso foi o que nos aconteceu. E é bom lembrar que grande parte da excessiva dívida pública se deve à necessidade de colocar uma contrapartida nacional em todos os projetos financiados. Sabemos bem quem se beneficiou realmente com isso.

Sabemos também da corrupção que andou em torno de todo este dinheiro. Sabemos casos de empresas que receberam apoios que foram aparentemente para um fim, mas que na realidade foram parar a outros bolsos. Sabemos de equipamentos que, da indústria à agricultura, foram adquiridos sem que fossem realmente necessário. Quem anda pelos campos, conhece dezenas de histórias de tratores comprados com projetos feitos pelos próprios vendedores e que nunca tiveram sequer 10% de utilização.

E toda esta parafernália de máquinas foi comprado onde? Elace… procure-se o rastro ao dinheiro e descobre-se facilmente que ele é como o bom filho: à casa retornou.

Sexto mito: Graças à Europa temos o euro e uma economia desenvolvida
Esta é outra mentira, primeiro porque a nossa economia não está desenvolvida, segundo porque aquilo que conseguimos avançar não foi graças à Europa, mas apesar da Europa. A Europa antes tratou de destruir o nosso setor produtivo para vender tecnologia à China.

O acesso ao mercado Europeu estaria garantido de qualquer forma e sem as consequências nefastas das imposições feitas sobre uma economia que não estava preparada para um embate tão brusco. Hoje em dia qualquer país em vias de desenvolvimento tem um tratado comercial com a União Europeia que lhe garante um acesso praticamente livre a este mercado. Por maioria de razão, há muito tempo que nós estaríamos nesta situação, com a vantagem de que poderíamos ter uma evolução gradual, em vez da terapia de choque que destruiu empresas, criou desemprego e obrigou a um endividamento tão grande que se tornou insustentável.

No setor privado, a necessidade de competir subitamente num mercado que estava mais adiantado, implicou um esforço de endividamento brutal num setor empresarial que tinha pouca capitalização. Numa edição de 2014 The Economist denunciou isto mesmo: “Em Portugal um quatro das empresas cotadas tem dívidas superiores a cinco vezes os seus resultados antes de juros, impostos, amortizações e depreciações (EBITDA)” (ver artigo). Esta situação está bem documentada nos dados referentes a Abril recentemente divulgados pelo Banco de Portugal: O endividamento do setor não financeiro (Estado, famílias e empresas não financeiras) é de 709 mil milhões de euros, ou seja, quase quatro vezes o PIB. Se calcularmos uma taxa de juro média de 5%, isso significa que a nossa economia tem de pagar por este financiamento 35.5 mil milhões de euros, ou seja, 20% do PIB só para juros! Há economia capaz de acrescentar esse valor? A nossa de certeza que não.

Quem beneficiou com tudo isto? Vale a pena ler um artigo de Pedro Tadeus no Diário de Notícias de 14 de Junho: Entre 2008 e 2010 a banca nacional acumulava imparidades de 30 a 40 mil milhões de euros, ao mesmo tempo que distribuiu 2 mi milhões de dividendos aos acionistas… e assim se encontra o rasto aos 70.000 milhões que saíram do país diretamente para paraísos fiscais (ver artigo).

Foi a este endividamento que a terapia de choque da União Europeia, primeiro, e o euro, depois, nos conduziram: fomos obrigados a competir mais e mais rapidamente do que a nossa capacidade.

Se hoje estamos nesta situação, à União Europeia o devemos. Euro, tu és euro e sobre ti destruiremos a tua economia, mais bem deveria ter dito António Guterres naquele Conselho da Europa de 1995.

Sétimo mito: Não poderemos emigrar
Mais do que podemos, a situação a que nos trouxeram obrigou-nos. É absolutamente falso que, estando fora da União Europeia, os portugueses fossem impedidos de emigrar para países comunitários. Primeiro porque sempre o fizeram, mesmo quando o Estado português combatia esse fenómeno com todos os aparelhos repressivos que possuía. Depois, porque a emigração não é uma dádiva mas uma necessidade de quem recebe. Seja pela via política, seja pela incapacidade do mercado de trabalho, nenhum país aceita emigrantes se não lhe fazem falta,.

Por último, há argumentos que tratam de defender a própria União Europeia, respondendo às críticas que são feitas ao modelo institucional europeu. Isso leva-no ao último mito.

Oitavo mito: A União Europeia é democrática
Os que assim o dizem, refugiam-se no argumento da democracia indireta: nós elegemos parlamentos, que elegem governos, que elegem ou constituem os órgãos comunitários. No meio disto tudo, temos um Parlamento Europeu, esse sim diretamente eleito e com legitimidade democrática, mas que pouco mais é do que uma figura de retórica sem poder real.

Pelo caminho estes órgãos, distantes do soberano, definem diretivas que têm mais força do que as leis nacionais. Ou seja: o menos (ou nada) democrático obriga ao mais democrático.

Para cúmulo, as verdadeiras decisões não são tomadas nos órgãos institucionais, mas em organizações informais que não têm cabimento nos tratados. Todos estamos lembrados das recentes declarações de Junkers, que afirmou ser o Eurogrupo um órgão informal e que pode incluir e excluir quem entenda. Apenas para dar um exemplo, este é o mesmo Junkers que em Setembro de 2012 afirmava que “O Eurogrupo imporá exigências realmente duras a Espanha em matéria de ajustes orçamentais e reformas” (ver aqui). Conclusão: É num organismo que nem existe que se tomam decisões de primeira importância e se pretende impor medidas aos povos da Europa.

E temos, assim, oito mitos com que nos pretendem convencer a aceitar o status quo burocratico-europeu. São argumentos frágeis e nada honestos. No que me toca, como português que sou, espero que o meu país encontre o seu rumo e o seu espaço. Longe das imposições, longe dos medos, longe daqueles que querem que tudo se mantenha porque estão no grupo dos que ganham com isso. Portugal tem quase 900 anos de história e esse é o nosso principal ativo. Há anos que defendo um país Atlântico, integrado num espaço linguístico, que possa ser ponte entre essa zona e a Europa continental. Nada me move contra uma União Europeia que seja democrática e que respeite os povos. O que não posso aceitar é um modelo imposto e que tem uma agenda ultra-liberal que não é sufragada e que se rege por interesses nacionais distintos dos nossos. Uma União Europeia livre até nos convém e é um fator de estabilização da câmara de horrores que foi a história da Europa central. Defendo que Portugal deveria estar fora dela, mas com ela estabelecendo pontes.


Luís Novais

Foto: Moritz320



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