Por ser universal e implicar um processo
decisório de temas concretos, não há, numa democracia de massas, mecanismo mais
democrático do que o referendo para traduzir a vontade dum povo.
Na segunda conferência que publicou em “A Teoria do Todo”, Stephen Hawking
conta que foi preciso esperar até 1922 para que o físico russo Alexander Friedman
enunciasse pela primeira vez a possibilidade do universo estar em expansão.
Trata-se duma ideia que sete anos depois viria a ser confirmada pelas
observações de Hubble e que até Einstein torneou em 1915, quando enunciou a teoria da relatividade.
Partindo desta constatação, hoje em dia dada como certa, Hawking questiona
se haverá um limite à expansão, se o movimento não chegará a um ponto zero, a
partir do qual começará a inverter-se numa atração mútua resultante da força
gravitacional.
Esta possibilidade de a uma expansão se seguir uma regressão, é um modelo
interessante e conduz-nos a uma dialética que pode ser aplicada em vários sentidos.
Lembrei-me disto a propósito da evolução que teve a ideia de democracia, desde
que começou a ser teorizada na modernidade e se foi universalizando ao longo da
contemporaneidade.
A partir do século XVIII, as ideias iluministas foram levando a que, pelo
menos em teoria, na Europa se começasse a abandonar o absolutismo puro e a governar “pelo povo mas sem o povo”. Este
movimento político ficou conhecido como “despotismo iluminado” e em Portugal
teve o seu expoente no Marquês de Pombal. É a partir desta ideia que começa uma
lenta caminhada, com avanços e retrocessos, tendente a colocar a soberania nas
mãos do cidadão.
Quando participamos dum processo eleitoral, esquecemos muitas vezes de que
para aqui chegar foram precisas algumas revoluções e que o direito ao voto se libertou gradualmente de diversas restrições: Nível de
riqueza, instrução, género e até raça. Foi preciso esperar até 1906 para que a Finlândia (na altura um grã-ducado) fosse o primeiro país a instituir o voto universal e o direito das mulheres a serem eleitas.
O movimento pela universalização do sufrágio expandiu-se durante o século
XX. Nos Estados Unidos, só depois de 1966 acaba plenamente a restrição racial
e, hoje em dia, alguns grupos sociais ainda sofrem limitações. Duma maneira
geral, já ninguém se atreve a considerar que um país sem voto universal seja
uma democracia.
Ao mesmo tempo, foi crescendo o
direito de participação, através de mecanismos que servem de contraponto às limitações
que o sistema representativo impõe ao pleno exercício da cidadania. No âmbito
dessas restrições, por exemplo em Portugal, fiz algumas contas (ver: “Não
foi eleito coisíssima nenhuma”) e concluí que os deputados do arco
governativo são escolhidos por apenas 14.000 pessoas (o alargamento atual deste
arco alterou o número, ainda que não significativamente).
Alguns dos contrapontos a esta limitação são elitistas: Conselhos de concertação
social, audição de associações corporativas, de sindicatos etc. Outras são
populares e, entre estas, o referendo é talvez o único instrumento efetivo. Por
ser universal e implicar um processo decisório de temas concretos, não há, numa
democracia de massas, mecanismo mais democrático do que o referendo para traduzir
a vontade dum povo.
Isto leva-me de volta a Stephen Hawking e ao início deste artigo.
Recentemente tivemos um referendo no Reino Unido de onde resultou a decisão de
saída da União Europeia. Este resultado contrariou a visão e o interesse duma
elite alargada que teme abalos potencialmente conducentes a um vazio que, para uns
poucos, lhes ameaça a hegemonia política e social e, para a maioria, apenas o equilíbrio
precário em que já se encontram. Depois disso, levantaram-se inúmeras vozes contra a
real representatividade do voto expresso, sobraram as citações duma frase contra
a democracia atribuída a Churchill e, na imprensa considerada séria e de regime,
abundam artigos sobre como dar a volta a este resultado (ver por exemplo How
to Stop Brexit no The Guardian), ao mesmo tempo que saem caricaturas sobre uma putativa ignorância e mudança de opinião dos eleitores.
Vendo estas reações, pergunto-me se, no percurso de expansão que vem do
século XVIII, a Democracia não terá atingido o seu ponto máximo e se não estaremos a
entrar num mecanismo de regressão. Se bem me lembro, o despotismo iluminado
era, por definição, a ideia de que uma elite ilustrada saberia interpretar
melhor do que o povo aquilo que ao povo convinha.
E no que respeita às conferências de Hawking, fico-me por esta. A seguinte
é sobre buracos negros: Aqueles que têm uma atração tão grande que destroem tudo
aquilo que se lhes aproxima.
Luís Novais
Foto: Geralt
Sem comentários:
Enviar um comentário