Não é pela imposição que isto se resolve, já temos História suficiente para saber que a brutalidade gera brutalidade, que o ódio gera ódio, que o silenciamento conduz à revolta.
“Morte na Arena” foi o título da reflexão que escrevi no dia 3 de outubro,
sobre a questão catalã. Manifestava a minha incompreensão diante da atitude radicalmente
imperialista de Rajoy, assim como pelo secessionismo sem regras de Puidgemont.
Num certo sentido, punha-me ao lado daqueles que, uns dias depois, se vestiriam
de branco, apelando ao diálogo e ao compromisso.
As democracias maduras vivem dessa capacidade de estabelecer pontes, de assumir
diferenças, procurar locais de encontro e, quando não é de todo possível,
concordar que não concordam e encontrarem formas cordatas de saída. Os
edifícios institucionais e legislativos blindados, que não permitem qualquer
desvio a uma linha traçada e que criminalizam a discordância, são próprios, ou
de ditaduras, ou de democracias débeis.
Compreende-se que a Constituição espanhola de 1978 fosse fechada. Afinal, o
país via a seu lado um outro, Portugal, onde o processo de transição acabava de
resultar dum período revolucionário gerador de uma grande instabilidade e de
potenciais ajustes de contas, que afinal não se verificaram. A sociedade
espanhola tinha bem vivo o trauma duma guerra civil sem limites e duma ditadura
sanguinária. Nestas circunstâncias, é natural que tivesse temor de si mesma; qualquer brecha poderia ser como aquele pequeno furo numa grande represa.
Entretanto passaram 40 anos. Se, em quatro décadas, esta democracia não
atingiu maturidade para permitir uma sociedade que negoceia,
então têm razão os catalães mais independentistas por quererem construir a sua
própria.
No discurso de hoje, Puidgemont começou por descrever o caminho que levou à
situação atual: Uma constituição fechada, que foi aprovada como sendo o início
duma mudança positiva, mas que, ao contrário, se transformou num monumento ao imobilismo.
O estatuto catalão, amplamente negociado com Madrid, aprovado nos parlamentos
nacional e autonómico em 2004, subscrito em referendo por 74% dos catalães, mas que um
Rajoy, digno discípulo do caudillo, conduziu ao tribunal constitucional e
conseguiu anular. Um referendo, o de 2014, sem caracter vinculativo, organizado
por Artur Mas, então líder da Generalitat, que assumidamente não tinha outra
consequência que não fosse auscultar o povo catalão, que teve 81% de votos a
favor da opção por um Estado independente, mas que, apesar de não ser vinculativo,
foi criminalizado e Mas condenado à inabilitação para exercer cargos elegíveis e
a uma multa de 5 milhões de euros a favor do Estado espanhol…
Esta atitude de Madrid, não é duma Democracia digna desse nome, muito menos a reação
brutal com que se procurou evitar o referendo do dia 1 de outubro.
Por outro lado, neste processo, também Puigemont saltou todas as barreiras
legais, também ele enfrentou e tampouco facilitou o diálogo, como deveria, por muito que a outra parte não desse mostras de qualquer abertura negocial. Hoje porém, deu aquele passo que me parece
ser o dos que estendem a mão e estão dispostos a conversar.
No discurso de hoje, o lider da Generalitat tinha três hipóteses:
Primeira: Fazer tudo como ele mesmo e uma parte, talvez maioritária, da sociedade catalã querem, declarando a independência unilateral, sem importar-se com Espanha e com aquela outra parte da mesma sociedade catalã que não quer
ir por essa via, dando-se o caso de que possa ser maioritária.
Segunda: Fazer tudo como Rajoy, a maioria dos espanhóis e
um setor relevante ou maioritário da sociedade catalã querem, recuando em toda
a linha, negando-se a si mesmo e humilhando os milhões de catalães que querem
formar um estado independente, e que ainda agora foram já amplamente
humilhados pelo comportamento abusivo de Madrid durante este processo
Terceira: Avançar um passo na direção que pretende, sem
fechar a porta a uma negociação e, até, pedindo-a
Optou por esta terceira via, e defendo que ainda bem. Hoje está bem claro
que Espanha tem um problema político que não se resume na Catalunha e que precisa
de encontrar formas inteligentes para resolvê-lo, a bem da sua própria unidade ou, no
mínimo, da convivência futura. E não é pela
imposição que isto se resolve, já temos História suficiente para saber que a
brutalidade gera brutalidade, que o ódio gera ódio, que o silenciamento conduz à revolta.
Não sei se esta Madrid de Rajoy estará à altura do momento histórico, tenho
muitas dúvidas, mas espero estar enganado, assim como enganado acaba de provar
Puigemont que eu estava em relação a ele mesmo. Estender a mão nestas circunstâncias
não é sinal de debilidade mas de força. Oxalá que o outro lado não tenha a
debilidade da força.
Luís Novais
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