quinta-feira, 12 de outubro de 2017

OPERAÇÃO MARQUÊS E CUSTO DA CORRUPÇÃO


Não perguntemos quanto recebem os corruptos, que isso é o menos. O grande e verdadeiro custo é o de opções megalómanas e desnecessárias, o de preços inflacionados, o da total ineficácia e esse tendencial descrédito dos cidadãos na Democracia que é, apesar de tudo, a nossa melhor proteção. Um desses maiores preços foi cobrado há três meses, pagaram-no 65 portugueses.

No Peru, onde vivo, há também um grande debate em torno do cancro da corrupção. O país é uma das vítimas do escândalo lava-jato, que teve repercussões em toda a América Latina. Neste momento tem dois ex-presidentes presos, um fugido no estrangeiro e com mandato de captura internacional, outro que está a ser investigado e nem o atual escapa às suspeitas. Para que se tenha uma ideia da dimensão, corre-se o risco de ter 36 anos de presidências atrás das grades e, entre ex-governantes, governadores regionais e alcaldes (presidentes de câmara), já se perdeu a conta a quantos estão presos.

Não surpreende, portante, que todo o país exija medidas concretas e que a sociedade civil tenha iniciado um intenso debate sobre o tema.

Recentemente, estive num debate sobre esta questão, no qual participaram o presidente da confederação patronal, o defensor del Pueblo (espécie de provedor de justiça) e o Prof. Juan Mendoza, um economista e académico que se dedica a investigar o tema.

A intervenção mais interessante foi a deste último, que denunciou o real custo da corrupção, alertando para aspetos que muitas vezes ficam esquecidos. “O verdadeiro preço para um país – disse – não é o valor direto que recebe o corrupto, mas a ineficiência imediata”. Esta é uma constatação que faz todo o sentido; o modus operandi do corruptor não é a inflação inicial do preço que até costuma ser inferior ao da concorrência, mas a certeza de que assinará adendas contratuais por custos supostamente imprevistos e por obras suplementares. Além disso, sabe que não vai ser devidamente fiscalizado e tudo isto provoca uma tremenda distorção concorrencial, que gera um custo muito mais elevado do que o simples valor recebido pelo político de serviço.

Outro problema, disse, é que a corrupção distorce as prioridades, levando o decisor a optar pelas iniciativas que lhe são mais rentáveis e não pelas mais necessárias. Juan Mendoza deu o exemplo da construção da via interoceânica que liga o Peru ao Brasil, construída pela Odebrecht no tempo o presidente Toledo, o tal que está prófugo por suspeitas muito fundamentadas de ter recebido 15 milhões de dólares por este projeto. “Nesta estrada circulam menos de 2% das exportações do Peru para o Brasil, no entanto o seu custo final será de 4,5 mil milhões de dólares”, disse. Se considerarmos que 50% das crianças do país sofrem de desnutrição crónica, com graves consequências para o seu desenvolvimento cognitivo, percebemos a dimensão do preço que pagamos pelas decisões dum político corrupto.

Relacionado com a questão da ineficácia, lembrou ainda o custo de afastar as empresas honestas, que sabem não ter hipóteses num mercado corrompido e preferem ir trabalhar para outros lugares.

Mas há uma questão sistémica gravíssima que está relacionada com uma entrevista que recentemente fiz ao líder da Amnistia Internacional: A descrença nos políticos leva os eleitores a escolherem outsiders demagogos e impreparados, como é o caso de Trump nos Estados Unidos, ou Duterte nas Filipinas. “Quando os cidadãos estão descontentes, é fácil o aparecimento de líderes populistas com propostas alternativas que põe tudo em causa”, respondeu-me.

A corrupção é um problema de todos os sistemas políticos. Apesar de tudo, nos democráticos, que têm imprensa livre e autonomia do poder judicial, é muito mais fácil que se descubra e que se julgue imparcialmente.

Os escândalos a que temos assistido, levam muitos cidadãos a perderem confiança no regime, predispondo-os a serem demagogicamente conduzidos à defesa de sistemas totalitários, que são por norma ainda mais corruptos. O que os políticos e empresários desonestos põe então em causa, é a própria Democracia, a liberdade de imprensa e, consequentemente, os Direitos Humanos.

Digo isto a propósito da contabilidade que se tem feito dos benefícios supostamente (ou mais do que supostamente) recebidos pelos implicados na operação Marquês. Esta acusação saiu quase ao mesmo tempo que se concluiu o inquérito à tragédia de Pedrogão Grande. Enquanto numa notícia víamos José Sócrates a defender a construção da linha de TGV, noutra a Comissão de Inquérito falava de 65 mortos, enquanto numa sabíamos que o contrato com o Grupo Lena era blindado, noutra falava-se dum serviço de proteção civil absolutamente descoordenado, numa do apoio do Estado a um banco durante uma OPA, noutra que o SIRESP não funcionou e é obsoleto…

Por isso, não perguntemos quanto recebem os corruptos, que isso é o menos. O grande e verdadeiro custo é o de opções megalómanas e desnecessárias, o de preços inflacionados, o da total ineficácia e o tendencial descrédito dos cidadãos na Democracia que é, apesar de tudo, a nossa melhor proteção. Um desses maiores preços foi cobrado há três meses, pagaram-no 65 portugueses.



Luís Novais

Foto: Klinkim


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