quarta-feira, 18 de outubro de 2017

OBVIAMENTE, DEMITO-ME. A carta da ex-ministra e a situação a que chegamos.


Sabemos, agora, quantos portugueses pagaram pela partidarização do aparelho de Estado, uma doença que nos tem vindo a corroer e que, infelizmente, é transversal: não é nem foi exclusivamente induzida pelo atual primeiro-ministro.

Logo a seguir à tragédia de Pedrógão pedi, insistentemente, que me libertasse das minhas funções e dei-lhe tempo para encontrar quem me substituísse, razão pela qual não pedi, formal e publicamente, a minha demissão”.

A carta com que Constança Urbano de Sousa se demite, revela uma situação demasiadamente má para ser verdade. A argumentação que usa, não difere muito daquela que foi usada por quase todos os que, nos últimos tempos, defenderam a sua saída, por óbvia falta de autoridade. “Não tinha condições políticas e pessoais para continuar no exercício deste cargo”, estas palavras não são proferidas pelos que expressaram esta mesma ideia, alguns desde Pedrogão Grande, mas pela própria Constança Urbano de Sousa. Desta vez, “tem de aceitar”, quase suplica!

Com esta carta, aquela que, até hoje, foi responsável pela pasta da Administração Interna, iliba-se de qualquer responsabilidade pela trágica situação a que chegamos em Outubro, uma responsabilidade que recai agora e inteiramente na teimosia do próprio primeiro-ministro. “Dei-lhe tempo para que me substituísse”, diz, referindo-se ao período posterior a Pedrogão Grande.

Sabemos então que o país não só estava com um comandante de proteção civil interino, mas que interina era também a própria ministra, metida num limbo político enquanto aguardava que António Costa lhe nomeasse sucessão. E isto aclara as causas da descoordenação, da incapacidade para responder à situação no terreno e, até, o famoso desabafo relativo à ida de férias.

Esta ausência real de autoridade política em exercício, explica também muitas das situações que estiveram na origem do drama. Explicam que ninguém tivesse decidido alargar o período de alerta, apesar das óbvias condições climáticas. Explica que apenas tivéssemos 18 meios aéreos, contra os 48 de 15 dias antes. Explica que os postos de vigilância estivessem vazios porque ninguém considerou que, dada a situação, se deveria ter alargado o contrato com os vigilantes… Todas estas decisões podem e devem ser tomadas, mas exigem comando e decisão política, e já sabemos que na Proteção Civil tínhamos um interino e à frente do ministério, também.

Mas além de tudo isto, foi-nos revelado algo ainda mais terrível: A substituição dos comandantes de proteção civil foi feita dois meses antes de começar a época de incêndios, e temos mais do que razões para concluir que o critério das escolhas não foi a competência, mas a proximidade político-partidária (ver aqui).

Numa entrevista ao Expresso, o presidente da Câmara de Viseu denunciou a inoperância do novo comandante distrital, um dos 13 que entraram em Abril deste ano, depois da exoneração dos anteriores. Tudo isto entre diversas outras mexidas na estrutura organizacional, com escolhas que recaíram em algumas pessoas sem currículo pessoal, mas com currículo partidário.

Aliás, o melhor exemplo desta politização foi a nomeação do próprio Presidente desta estrutura, Joaquim Leitão, o que na altura gerou protestos. Em 2005 tinha sido adjunto no Ministério da Administração Interna, quando António Costa era ministro, um ano depois, com o atual primeiro-ministro no mesmo cargo, foi nomeado segundo comandante na Autoridade de Proteção Civil e em 2008, como presidente da Câmara de Lisboa, nomeou-o comandante do regimento de Sapadores Bombeiros. Conclusão: Claramente não foi uma escolha da ministra mas do primeiro-ministro e, quanto às restantes mexidas,  temos motivos para crer que foram decididas da mesma forma e, até, com intromissão das estruturas partidárias locais.

Num artigo que escrevi recentemente, a propósito da assombrosa entrevista de José Sócrates, salientava que um dos maiores custos dum corrupto é subverter a hierarquia das opções: As mais rentáveis para o decisor, em detrimento das mais necessárias para o país. Concluía que, em junho, 65 portugueses tinham pago o respetivo preço da pior forma. Sabemos, agora, quantos portugueses pagaram também pela partidarização do aparelho de Estado, uma doença que nos tem vindo a corroer e que, infelizmente, é transversal: não é nem foi exclusivamente induzida pelo atual primeiro-ministro.




Luís Novais

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